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Desabafo de Ygor Kanário


NTRE BICHOS QUE RASTEJAM E SER KANNÁRIO NA BAHIA
Não, senhor prefeito, ao contrário do que o senhor afirmou na TV, esse não foi o carnaval de todos os tempos. Poderia ter sido, pela singela homenagem ao nascimento da Axé Music, pelo seu passado que gerou gente como Luiz Caldas, Banda Reflexus, Banda Mel... Esse foi o carnaval da saturação do fracasso eminente, dos negros cordeiros presos ainda às velhas correntes segregacionistas da festa. Da saturação das estrelas do AXÉ, da saturação presente no desabafo de Brown, quando expressa sua intolerância sobre a organização do evento: “...Eu também me despeço desse formato de carnaval nesse arrastão. Já dei o que podia dar. Preciso me reconstruir dentro do Carnaval”
O circo esse ano esteve sem muita graça, com pouca platéia deslumbrada com a mesmice, com a banalização da miséria que não veste abadá e dorme sob marquises, papelões, para vigiar seu saco de latinhas recolhidas no rio caudaloso da fome, que irá continuar depois da alegria alegórica dessa Bahia, que tende à festa, mas tende sobretudo à fome, à crueldade, à violência.
Felizes os que nascem Kannário, na Bahia. Os que voam aqui arrastando a plebe rude, afirmando o refrão mentiroso “É TUDO NOSSO, NADA DELES”, é tratado como um rei. Os elogios que ouvi de formadores de opinião sobre esse moço que, não é, nem será reflexo do gueto, me deixaram aturdido. As asas desse Kannário são postiças, dele se aproxima o mito de Ícaro, que deseja o céu, mas não pode se aproximar da luz, pois sua inspiração é rasa. Mas na Bahia quem não nasce pra ser Kannário, será sempre calango. O que afinal é tudo nosso? O que é que é nosso dentro dessa folia momesca em que uma noite, em um dos seus principais camarotes custava R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), numa cidade em que a grande maioria da população sobrevive com pouco menos de um salário mínimo? O que é que é tudo nosso? A pobreza suprimida na avenida, os socos e empurrões, a polícia mal paga que trabalha na avenida porque não tem outro jeito?... Ou como afirmam muitos, o "É tudo Nosso e Nada deles" é uma expressão usada pelos traficantes, disputando território entre facções? Muito mais provável, eu diria.
Pra quem já vivenciou esse carnaval por mais de vinte anos, como eu, percebi que não eram somente as ruas que estavam esvaziadas. A alegria esteve ausente, o entusiasmo, mesmo no semblante dos que ocupavam a Casa Grande, refletida nos camarotes, símbolo principal do segregacionismo da festa.
A força da grana, não permitiu que um recém-operado de apendicite, deixasse de cantar em cima de um trio, pois ele precisava defender às lágrimas, a sua pérola “Xenhennhen”, que certamente será a música do carnaval. E a imprensa dizia: “ele é uma fortaleza!” A fortaleza não está em Marcio Vitor, mas nesse povo que passa cinco dias sem dormir, pra tirar de forma digna, as migalhas que lhes sobram dessa festa. Mas esse povo não é passarinho, é calango, e calango pobre, negro, na Bahia, rasteja. Afinal o “príncipe do Gueto”, aqui, em que noventa por cento da população é negra, não é negro, é loiro.
IVAN SANTTANA